Não posso. Não posso pensar na cena que visualizei e que é
real. O filho que está de noite com dor de fome e diz para a mãe: estou com
fome, mamãe. Ela responde com doçura: dorme. Ele diz: mas estou com fome. Ela
insiste: durma. Ele diz: não posso, estou com fome. Ela repete exasperada:
durma. Ele insiste. Ela grita com dor: durma, seu chato! Os dois ficam em
silêncio no escuro, imóveis. Será que ele está dormindo? - pensa ela toda
acordada. E ele está amedrontado demais para se queixar. Na noite negra os dois
estão despertos. Até que, de dor e cansaço, ambos cochilam, no ninho da
resignação. E eu não agüento a resignação Ah, como devoro com fome e prazer a
revolta.
Clarice Lispector
(19 de agosto de
1967)
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